segunda-feira, 16 de junho de 2014

Há falta de conhecimento doutrinário?

O conhecimento espírita é vasto e penetra em todas as filosofias e ciências. Não é simples, mas seus princípios e ideias principais poderiam ser mais bem comunicado e entendido pelos espíritas.

Para grande parte das religiões tradicionais não é necessário que seus adeptos conheçam mais profundamente seus postulados. Elas estão alicerçadas em dogmas que não devem ser analisados ou discutidos, mas obedecidos, pois representam a verdade de Deus.
Com a Doutrina Espírita isso não se aplica. Ela se posiciona, antes de mais nada como uma filosofia e, o objetivo de toda filosofia é refletir e analisar sobre a vida e suas implicações. Semelhante às ciências que procuram estudar as leis que regem a matéria, o espiritismo busca estudar as leis naturais do mundo espiritual que afetam o homem, suas relações e seu bem estar. O conhecimento espírita desenvolve uma ética própria que provoca ou induz a uma reflexão sobre a moral (conjunto de regras sobre o que é certo ou errado, bom ou mau).
Não faz nenhum sentido que os seguidores do espiritismo não conheçam bem os seus princípios e conceitos. Não tem lógica alguma que os espíritas não tenham lido e estudado pelo menos as obras de Allan Kardec, entre as cinco mil obras existentes. É totalmente incoerente ver espíritas voltados à veneração, idolatria e ao culto religioso, do que ao estudo e a melhoria de si próprio.
Não se trata de exigir dos espíritas conhecimentos de tudo em detalhe, apenas o conhecimento dos pontos principais.
Naturalmente leva-se tempo para conhecer e entender os fundamentos da doutrina. Os cinco livros de Kardec mais Obras Póstumas totalizam cerca de 2500 páginas. Demora-se aproximadamente 4 minutos por página para ler estudando. Esse montante vai necessitar de 167 horas que podemos arredondar para 200 horas considerando algumas anotações. Penso que um prazo mínimo seria de um ano para ler e estudar os seis livros consumindo uma hora por dia útil. Ficará mais confortável se puder usar também os fins de semana e os feriados. Com um prazo maior, aumenta-se bastante a amplitude e a qualidade do entendimento, podendo incluir outros livros ou um curso de espiritismo, que geralmente dura de dois a quatro anos.
Pensando nisso, pesquisei há dez anos, os conhecimentos doutrinários dos frequentadores de um centro. Utilizei a técnica Focus Group para pesquisa qualitativa reunindo de cada vez cerca de quatro a seis pessoas para conversar sobre espiritismo. Foram selecionadas pessoas com mais de quatro anos como espíritas.
Antes da reunião avisava que faria perguntas para obter a visão pessoal dos participantes com o objetivo de colher elementos para melhorar a comunicação espírita. Com o grupo formado e depois de um cafezinho para “quebrar o gelo”, começava a fazer perguntas como:
  • Por que você é espírita?
  • O que mais influenciou nessa decisão?
  • Que livros de Kardec você já leu?
  • O que são os evangelhos?
  • Por que o homem sofre?
  • O que entende por obsessão e obsessor?
  • O que é ser espírita para você?
  • Quem é Jesus? 

Dessa experiência se destacaram alguns aspectos que demonstraram o desconhecimento de pontos importantes da doutrina, como:
  • Tratar Jesus como Deus;
  • Perceber Jesus como espírito que teve uma evolução sem erros;
  • Entender a Bíblia como a verdade;
  • Considerar que Deus decide sobre as mínimas coisas da vida de cada pessoa;
  • Considerar os obsessores como espíritos inferiores ou maus;
  • Desconhecer que a oração deve ser espontânea e não decorada;
  • Entender que o obsidiado não tem responsabilidade sobre sua situação;
  • Confundir a Lei de Causas e Efeitos com à Lei do Talião;
  • Entender Deus com sentimentos do ser humano, que perdoa, tem misericórdia, compaixão;
  • Considerar que ser espírita e praticar a caridade é condição para a pessoa ser “salva”;
  • Pensar que “a felicidade não é desde mundo” e só estará acessível aos espíritos superiores;
  • Acreditar que cada espírito possui uma “alma gêmea”;
  • Supor que o médium de psicofonia “incorpora” o espírito comunicador, isto é, o espírito entra no corpo do médium;
  • Crer que espíritos bons só falam a verdade e não se equivocam ou podem interpretar mal.

Atualmente tenho a percepção de que essa situação ainda perdura, a partir de visitas e palestras que tenho feito até mesmo para alunos em final de curso.
Essa situação de desconhecimento ou de conhecimento equivocado deve ter muitas causas. Quero destacar duas. A primeira é a automotivação, que é responsabilidade de cada pessoa cultivar e despertar. Ter curiosidade intelectual, querer saber os porquês da vida. A segunda é a qualidade da comunicação do espiritismo. Os comunicadores espíritas, as federativas e os centros têm responsabilidade nessa baixa compreensão da doutrina espírita. Que espiritismo estamos divulgando? Relaciono alguns tipos de comunicação incorretas que tenho observado:

Espiritismo pessoal - aquele que destaca mais as opiniões do expositor, dirigente ou do mentor da casa;
Espiritismo alarmista – que enaltece o poder das trevas e a inferioridade moral dos espíritas;
Espiritismo místico - privilegiando a devoção, a contemplação, o sobrenatural;
Espiritismo superficial e dogmático - que evidencia ideias e raciocínios pela autoridade dos autores e não pelas explicações doutrinárias corretas;
Espiritismo deslumbrado - que insiste em dar explicações simplistas para todos os casos e situações.
Espiritismo excessivamente religioso – que usa linguagem piegas, não prioriza o estudo sério e se preocupa mais com o assistencialismo e o enaltecimento de Jesus.

Todos os espíritas podem e devem colaborar para melhorar essa situação. Ter espíritas com interpretação equivocada da doutrina é um risco para sua evolução. Vamos pesquisar o nível de compreensão de alunos e frequentadores, conversar com os dirigentes do Centro, mudar e melhorar os cursos, instituir o estudo contínuo, trabalhos em grupo, produção de conteúdo e melhorar a forma como comunicamos o conhecimento espírita direta e indiretamente.

Publicado originalmente no jornal Correio Fraterno do ABC N° 457, com o título: “Conhecer o que crê, saber por que crê”. www.correiofraterno.com.br

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