Um olhar introspectivo sobre a formação dos novos espíritas e futuros dirigentes
Este artigo
propõe algo ousado. Uma autoanálise para o líder espírita e uma consequente
constatação dos padrões de pensamento e comportamento que está ajudando a
perpetuar, uma vez que o seu papel nos Centros Espíritas possui, inegavelmente,
maior poder de influência.
É
tarefa difícil pois a psicologia ensina que não conseguimos perceber bem a nós
mesmos, apenas alguns aspectos. E ainda, que costumamos disfarçar um
determinado comportamento inadequado com um monte de justificavas internas,
transformando-o, aos nossos próprios olhos, de algo não só justificável, como
até elogiável.
Todos
nós fomos marcados por acontecimentos anteriores caracterizando nosso
comportamento atual e reclamando solução. Respondemos a estímulos de forma
automatizada e precisamos nos dar conta que esse automatismo também precisa
mudar, evoluir.
Mesmo
assim, podemos fazer um exercício de percepção. Que tipo de espírita eu sou?
Gosto de estudar, de conferir
afirmações, de comparar textos com a codificação? Muitas pessoas dizem que sim,
mas na prática, dificilmente recorrem a mais uma leitura das obras de Kardec,
apenas para sossegar uma inquietação interna. Intimamente justificam que já
fizeram vários cursos, que já leram muito. Esta forma de pensar transparece subliminarmente
para as pessoas que frequentam e trabalham na casa espírita, resultando que
parte significativa das pessoas atingidas tenderá a assumir comportamento
semelhante.
Tenho foco voltado para os
resultados?
Estou sempre pensando em como otimizar os resultados? Mesmo aqueles
considerados bons para a maioria? Ou costumo legitimar os resultados fracos pelas
dificuldades comuns à toda instituição espírita? Isso costuma contagiar o
comportamento dos colegas e liderados. Cria um clima de extrema tolerância a
erros e omissões, de achar que no trabalho voluntário não cabe cobranças e
exigências, não obstante qualquer atividade, mesmo sem remuneração exige
compromisso e responsabilidade.
Reivindico novas atividades? Ou alego que já possuo muitas
tarefas, sem ter feito um esforço verdadeiro de realocação? Delego aos outros a
responsabilidade de tarefas e a autoridade necessária para a sua execução? Ou o
meu senso de responsabilidade sempre conclui que os outros não conseguirão
fazer as coisas corretamente como eu faço? Gosto de descobrir e desenvolver
novos talentos nas pessoas? Ou termino desistindo pelos riscos da inexperiência
dos voluntários?
Tenho curiosidade intelectual? Gosto de esmiuçar os ensinamentos
espíritas? Ou acredito que a Doutrina foi ditada pronta e acabada? Que cabe a
nós apenas concordar e obedecer aos ensinamentos? Aceito críticas e sugestões?
Ofereço espaço para as pessoas opinarem e também divergirem da minha opinião?
Uma postura fechada costuma criar um ambiente em que ninguém questiona, sugere,
opine, o que não é condizente com uma doutrina evolucionista.
Sou uma pessoa que admira mais
a disciplina do que a participação? Prefiro a obediência às regras ao interesse sincero de progredir?
Acredito que o espírita deve ser essencialmente uma pessoa obediente? Acredito
que a melhor coisa que podemos pedir às pessoas é o que está escrito na placa muito
comum da sala da reunião pública exigindo SILÊNCIO!? Esse tipo de pensamento
atrai pessoas exatamente assim, dificultando as mudanças que toda organização é
obrigada a fazer para se ajustar ao mundo que está sempre mudando.
Gosto de estar sempre motivando
os outros ao
estudo, ao auto aperfeiçoamento e a melhor realização de seus afazeres? Ou
entendo que isso é obrigação de cada um? Pensando assim estarei contribuindo
para moldar um lugar onde o dever está acima do ideal. O dever é algo que
fazemos por obrigação e o ideal é uma aspiração que nos encoraja.
Comunico com as pessoas de modo
assertivo e fraterno? Olho no olho, palavras fraternas, mas claras e firmes? Recordo
os últimos problemas de comunicação que teve. Atribuo culpa mais aos outros do
que a mim mesmo? Sempre é possível mudar e melhorar, pois a comunicação clara é
a base para a manutenção de todo empreendimento.
Minha comunicação é completa e
não omissa? Ou
sempre me justifico falando a mim mesmo que não posso dizer tudo, que não
compreenderiam, que as coisas devem ser reveladas aos poucos. Há ocasião para
essa precaução, mas se ela insiste em perdurar, cuidado! Posso não estar dando
chance de as pessoas pensarem e também de errarem, o que faz parte do processo
de aprendizado.
A
instituição espírita não precisa apenas de trabalhadores, mas de participantes
ativos e profundamente compromissados com o ideal de um mundo melhor pela
compreensão dos ensinamentos espíritas. Só assim poderemos oferecer uma
verdadeira contribuição à sociedade e à própria Doutrina Espírita.
A
mudança que desejamos para as nossas casas espíritas e para os seus participantes
deve começar em nós mesmos e no poder de influência que todos possuímos. Vamos
ajustar em nós, o que conseguirmos perceber e mudar. Se tivermos essa intenção realmente
instalada em nossas preocupações, ganharemos força e capacidade de
transformação. Sua adesão a esse exercício é muito importante para o futuro do
Espiritismo enquanto conhecimento integral com ampla capacidade de contribuição
à humanidade.
Publicado originalmente na Revista Senda da Federação Espírita
do Estado do Espírito Santo em julho 2017